terça-feira, maio 31, 2011

A Menina Dos Pés Descalços

"É que rosa menina passou toda a vida com os pés no chão..."

   Ouvi muitas pessoas se referirem a mim como "a menina dos pés descalços", depois de me assistirem em alguma apresentação. Por tantas outras vezes, me perguntaram o por que de nunca cantar calçada. Há alguns minutos atrás, respondi a essa pergunta mais uma vez...
   Decidi, então, contar aqui, pra todo mundo de uma só vez, essa histórinha breve, e com menos magia do que talvez as pessoas esperamm ouvir quando questionam isso.
   A primeira vez que subi no palco carregando o meu nome foi em 2004, em minha estréia no Galpão Cultural. Eu já havia cantado uma ou duas vezes antes, mas com outras tantas pessoas, e carregávamos o nome do Coral. Mas ali, seria o momento em que as pessoas veriam a mim. Individualmente. Sem outras vozes pra eu esconder os semitons fora do tom, da minha voz.
   Quando pequena, eu tinha duas primas da mesma idade que eu, e elas foram morar em outra cidade. Me restou crescer brincando com os meninos. E eu fui me tornando um molequinho! No quintal da casa de minha vó paterna, sempre descalça. Dentro da piscina vazia, chinelo pra gente, só servia pra marcar as traves do gol na hora de jogar bola!
   O tempo foi passando, e eu já havia me acostumado com os pés no chão. Por mais que meu pai brigasse, ou que a vovó tentasse me convencer de que eu pegaria um resfriado terrível!
   Pois bem, lá estava eu, assistindo a apresentação dos meus amigos, quando me avisaram que eu seria a próxima a subir no palco. Eu estava muito nervosa. Medo de errar a letra, medo de me atrapalhar. Medo. Comecei a tremer muito. E quando subi no palco, mal podia me equilibrar no salto do sapato! Minha primeira reação foi tirá-lo. Do contrário, eu acabaria por torcer o pé, ou mesmo caindo, já que as pernas já estavam sem controle, tamanha era minha ansiedade, meu receio.
   Dobrei a perna afim de alcançar os pés e retirar o sapato. E quando meu pé voltou a tocar o chão - dessa vez nu -, como que num passe de mágica, o tremor passou. As pernas recobraram o controle, os batimentos cardiacos voltaram ao normal, as mãos já apresentavam algum sinal de calor (estavam tão geladas que dificilmente alguém acreditaria que de fato eu estava viva).
   Acredito que naquele momento, meu organismo identificou a situação, como se eu estivesse em casa, completamente a vontade, e sem nada que pudesse me tirar a calma. Ou talvez, tenha associado as tardes confortáveis de futebol na piscina, amparo de casa de vó. Não sei! Fato é, que aquilo me tranquilizou instantaneamente.
   Uma imagem em especial me vem a memória quando me lembro disso. Na época em que ensaiávamos na Casa da Cultura, para a primeira apresentação do Coral, havia um grupo ensaiando para uma peça de teatro, que seria na mesma noite em que cantaríamos. Lembro-me de Paulo Rehfeld, professor de teatro, tirando os sapatos, e advertendo aos seus alunos do respeito que era preciso ter com os palcos, aos quais ele se referia como "solo sagrado".
   Talvez todo aquele tremor e descontrole antes de subir ao palco, fosse apenas o palco, me cobrando todo o respeito que ele merece.
   E desde então, aquela rosa menina, que passou toda a vida de pés no chão, reverencia o solo sagrado com a nudez de seus pés, e é quando ocorre a fusão entre a sua essência e a magia dos palcos.
Maria Letícia

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